O site Espaço Vital publicou artigo assinado por Rita Cortez sobre o “Assédio Processual”, ou seja, o assédio moral que chegou aos tribunais.

Texto integrante da coletânea que conta com mais 9 autores juristas, o artigo de Rita Cortez, “Assédio Processual”, faz parte do livro comemorativo pelos 50 anos da ACAT-RJ (Associação Carioca dos Advogados Trabalhistas) – “Refletindo sobre Direito do Trabalho: Passado, Presente e Futuro”, organizado pela professora Benizete Ramos de Medeiros.

Leiam clicando no link, ou sua íntegra, abaixo.

http://www.espacovital.com.br/noticia-29495-os-interditos-proibitorios-e-pratica-assedio-processual

Íntegra:

Os interditos proibitórios e a prática de assédio
processual 

(03.05.13)
Por Rita Cortez,
advogada, ex-presidente da Associação Carioca dos Advogados Trabalhistas 

O ajuizamento de interditos proibitórios, como instrumento de inibição de
movimentos de greve, tem sido prática corriqueira na Justiça do Trabalho. Nas
greves dos bancários, por exemplo, os bancos ajuízam ações de interdito sob a
alegação de pretensa ameaça de esbulho e turbação da posse e da propriedade,
numa tentativa de convencer o Judiciário acerca da possibilidade de haver uma
falsa greve de ocupação de suas agências bancárias.

No CPC, os pedidos de liminar nos interditos proibitórios (medidas cautelares
vinculadas às ações possessórias) não podem ser acolhidos sob a simples
alegação de suspeita e/ou ameaça. Por ser medida enérgica (art. 928) demanda
prova cabal do chamado “Animus Possessório”.

No entanto, mesmo quando não é produzida a prova, alguns magistrados acabam
deferindo a liminar como medida cautelar inespecífica, por conta,
exclusivamente, da análise de atos restritos à greve e que nada tem a ver com
ameaça ou suspeita de esbulho ou turbação da posse ou propriedade de bens.
Os bancos munidos com decisões liminares eventualmente concedidas, e de maneira
perversa, manipulam o deferimento dessas medidas, ameaçando os grevistas com a
possibilidade de rompimento do contrato, porque estariam descumprindo uma
inexistente ordem judicial de retorno ao trabalho. Tentam impedir a adesão
pacífica ao movimento paredista agindo com violenta pressão, usando, para isto,
o ajuizamento dos interditos proibitórios e a eventual concessão de medidas
liminares impeditivas de práticas que não são expressamente proibidas pela lei
de greve.

No caso das greves de bancários a conduta é orquestrada, é continuada, pois se
repete ano a ano.
O uso repetitivo e generalizado das ações de interdito como meio de refrear as
reivindicações legítimas dos trabalhadores é de tal maneira evidente que os
tribunais regionais, na sua grande maioria, e o próprio TST, começam a
identificá-las como medidas judiciais, no mínimo, inadequadas, quando inseridas
no contexto do exercício do direito de greve.

O ministro Augusto César Leite de Carvalho no artigo “Direito
Fundamental de Greve e Interdito proibitório”
, na coletânea “Direitos
Coletivos do Trabalho na Visão do TST”
, sintetiza: “Faz algum tempo
que os empresários usam o dissídio de greve, especialmente aquele em que buscam
a declaração de abusividade do movimento grevista, e, também os interditos
proibitórios como fórmulas engenhosas de refrear a reivindicação obreira
porventura aparelhada pela greve. /../ Além de serem improváveis as hipóteses
de cabimento do interdito proibitório em meio à greve, o aspecto de por ele se
sublimar um interesse de menor estatura jurídica (o de posse), hipostasiado
pela intenção de enfraquecer um direito fundamental ( o de greve), recomenda
uma postura criteriosa e firme na admissibilidade da ação possessória /…/”.

Entendemos que a constante utilização deste tipo de ação, para colocar os
trabalhadores submissos diante de atitudes de coerção, acaba provocando a
descrença de que a greve é um direito legítimo dos trabalhadores lutarem em
prol de seus interesses de classe e caracteriza, a nosso juízo, uma atitude de
assédio (moral) processual.

No assédio processual o principal bem jurídico violado é o próprio exercício,
pela parte, do seu direito de ação, uma vez que estará sendo utilizada de
maneira abusiva ou distorcida pelo único objetivo de tolher, na hipótese dos
interditos, o direito material dos trabalhadores e do sindicato (sujeitos
assediados) de decidir e encaminhar a greve sem ameaças, pressões ou, ainda,
sem impedimentos que somente estariam legitimados quando efetivamente
constatada a prática de atos abusivos, pelos grevistas, em decorrência da
inobservância das normas previstas na lei de greve.

O instituto do assédio Processual é fenômeno cada vez mais presente na vida
forense, abarcando outros temas importantes como o da judicialização
generalizada dos conflitos e o princípio constitucional da duração razoável dos
processos.

A expressão “assédio processual” tem avançado na doutrina sob
o enfoque da teoria do dano moral. Os poucos autores sobre o tema, seja numa
(espécie do gênero assédio) ou noutra hipótese (espécie do gênero dano moral)
opina que no assédio processual: “o objetivo seria a protelação da prestação
jurisdicional, ou do cumprimento das obrigações judicialmente exigíveis,
impondo à outra parte a morosidade e a retração processual, de forma
prejudicial, em benefício próprio”. 

Outros especialistas defendem que o assédio processual não se caracteriza
somente pelo “conjunto de atos processuais temerários, infundados ou
despropositados com o intuito de: procrastinar o andamento do feito, evitar o
pronunciamento judicial, ou enganar o Juízo, mas impedir o cumprimento ou a
satisfação de um direito materialmente reconhecido, impingindo constrangimentos
à parte adversa”.

Nesta última linha de raciocínio o próprio Poder Judiciário seria, também, uma
vítima do agressor, em razão da prática de um dano coletivo cometido com
intenção de desacreditá-lo perante a sociedade. É agir de forma a gerar
descrença a democrática ideia de acesso à Justiça que, por sua vez, não se
confunde com acesso ao poder Judiciário.

A garantia do acesso à Justiça não se restringe ao princípio da duração
razoável do processo previsto no art. 5ª, inciso LXXVIII da Constituição
Federal. Acesso à justiça significa acesso a uma ordem jurídica justa, dando
aos cidadãos os meios necessários para alcançá-la. No caso dos trabalhadores, é
alimentar a crença que o Judiciário tem a obrigação de dar efetividade aos
direitos sociais trabalhistas constitucionalizados pela Carta de 88, dentre
eles, o direito de greve.

Quando empregadores cometem, reiteradamente, atos de inibição e impedimento de
toda e qualquer manifestação dos sindicatos, no sentido de buscarem a
autorizada adesão à greve, estão, na realidade, podando o exercício pleno da
representação sindical e incutindo o medo da participação ativa e solidária
entre os trabalhadores. A definição de assédio processual, neste caso, envolve
o próprio conceito de dignidade da Justiça.

As decisões judiciais sobre assédio processual devem nos remeter à ideia de
conduta judicial ética e à noção de um processo justo, bem como devem ressaltar
o comportamento abusivo das partes em litígio, através do uso indiscriminado de
ações em proveito próprio, encerrando um comportamento indigno aos fins da
Justiça, merecendo, por isto, punição em benefício da própria sociedade.

Existe abuso, quando empregadores ingressam no Judiciário de forma contínua,
com ações impertinentes e inadequadas (os interditos), aproveitando-se da
possibilidade de obter sucesso em razão da natural diversidade de
entendimentos, fazendo uso de eventuais liminares concedidas, para
desestabilizar a defesa sindical dos interesses da coletividade que representa.

O assédio processual, portanto, não se confunde com litigância de má-fé que
exige o enquadramento do comportamento nos atos nocivos previstos nos artigos
17 e 600 do CPC. Na litigância de má-fé a única vítima é a parte contrária. No
assédio processual, além de mais intenso e duradouro, basta que se verifique a
existência de elementos que atentem contra a dignidade judiciária. As vítimas
serão o“Estado-Juiz” e a coletividade.

Maria Helena Diniz preleciona que: “o uso de um direito, poder ou coisa
além do permitido ou extrapolando as limitações jurídicas, lesando alguém, traz
como efeito o dever de reparar ou indenizar”.
Não são os meios empregados
usados pelo assediador, mas o exagero, a extrapolação, a distorção e até mesmo
a ilicitude do resultado judicial pretendido que devem ser coibidos com rigor.

O abuso de direito é tratado no artigo 187 do Código Civil como ato ilícito,
pois representa conduta desviada dos fins legais e sociais da norma jurídica
(artigo 16: “responde por perdas e danos aquele que pleitear de má-fé
como autor, réu ou interveniente”
).

Desta forma, compete ao julgador proporcionar aos atores sociais, no curso da
greve, como movimento social e político, acima de tudo, um remédio capaz de
protegê-los de ardis que se desvinculam por completo da finalidade do processo.
Os magistrados têm o dever de exigir um comportamento ético “comprometido
com a pacificação, a igualdade, a economia processual, assegurando o acesso à
justiça”.
 Devem admitir que a greve é expressão legítima de poder e se
insere no contexto da barganha (correlação de forças) que é naturalmente posta
nas negociações coletivas entre classes que defendem, em determinados momentos,
interesses totalmente antagônicos.

No exemplo dos bancários, usar as ações de interdito por conta da “ameaça” de
esbulho e turbação da posse de bens de agências bancárias, hoje, totalmente
informatizadas; ajuizar várias ações, colocando no polo passivo as inúmeras
agências bancárias de forma indiscriminada; lavrar atas notariais para
registrar condutas de “exagerado” aliciamento, usando, para
este fim, empregados que, afinal, não querem perder o emprego; manejar
liminares para afirmar que a justiça estaria determinando o retorno ao serviço
e que o descumprimento implicará na rescisão do contrato por justa causa;
exigir a realização de inúmeras inspeções judiciais infundadas, a cata da identificação
de descumprimento de ordens judiciais, para aplicação de multas altíssimas aos
sindicatos ou a convocação da autoridade policial nos locais de trabalho;
requerer o prosseguimento dos litígios após a celebração do acordo coletivo de
trabalho; enfim, merecem e devem ser tipificadas como assédio processual.

Forçar uma posição mais favorável aos seus interesses na negociação coletiva,
semeando o medo, a discórdia entre os trabalhadores, enfraquecendo a atividade
sindical e a participação na greve como direito universal de resistência dos
trabalhadores, não pode ser considerado um comportamento ético ou não abusivo.

A caracterização do assédio processual não é simples, até porque a conduta
antiética nem sempre representa atitude antijurídica. Daí que a perda da
dimensão ética é que irá caracterizar o assédio processual, ou seja, a prática
atentatória à dignidade dos trabalhadores envolvidos no conflito.

Não só o uso de interditos proibitórios nas greves conflagradas pelos
trabalhadores, mas outras medidas processuais reiteradamente utilizadas como
instrumento de inviabilização da prática de direitos sociais fundamentais,
merecem exame sob a ótica do assédio processual. Não sendo possível a reparação
(art. 927 do C. Civil) o pagamento de indenizações passam a pesar nos bolsos
dos empresários, para que se atinjam as consciências, buscando-se
comportamentos mais éticos que merecem e devem ser exigidos numa Justiça
democrática e acessível a todos, indiscriminadamente.

fonte: www.espacovital.com.br


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