O NOVO CÓDIGO DO TRABALHO: AVANÇO OU RETROCESSO?

Desde maio de 2011, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei n° 1.463/11, de autoria do Deputado Federal Sílvio Costa (PTB/Ceará), propondo a criação do “CÓDIGO DO TRABALHO”. Antes dele, outro projeto de lei (PL n° 1987/07) do deputado Cândido Vaccarezza (PT/SP) pretendeu instituir uma nova “CONSOLIDAÇÃO DE LEIS MATERIAIS DE TRABALHO”.
O projeto “Vaccarezza” nasceu no bojo das iniciativas adotadas por uma Comissão Legislativa constituída com a finalidade de estudar e propor a consolidação de determinados temas do Direito, segundo regras estabelecidas na Lei Complementar n° 95/98 e lastro no parágrafo único, do art. 59, da CF. A Comissão, coordenada pelo deputado petista, assumia a missão de organizar e simplificar a CLT, revogando normas tidas como ultrapassadas e incorporando leis trabalhistas esparsas.
Prestes a enviar o PL à aprovação do Congresso, o Presidente da OAB Nacional alertou para o fato de existir um fundado receio da sociedade acerca da possibilidade de haver redução de direitos dos trabalhadores e apontou para a necessidade de se manter o diálogo com os advogados e com a sociedade sobre todos os pontos do Projeto. A manifestação da OAB Federal foi endossada pela ABRAT, Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas e juntamente com a ANAMATRA e Centrais Sindicais, constatada a flexibilização e eliminação de direitos, todos defenderam a retirada ou rejeição do PL 1987.
Arquivado o PL, para nossa surpresa, em 3 de fevereiro de 2011, o deputado Vacarezza requereu o seu desarquivamento, já tendo sido deferido pela Mesa Diretora da Câmara, sendo que está para ser colocado na Pauta no Grupo Parlamentar de Trabalho de Consolidação das Leis (GTCL).
Coincidentemente, ou não, surge, agora, o projeto de Lei 1463/11 com o propósito de criar o Código do Trabalho. O PL está aguardando a constituição de Comissão Temporária na Mesa Diretora da Câmara dos Deputados que aprecie e opine sobre o projeto.
De um lado temos o desarquivamento do projeto de lei 1987/07 e, de outro, a proposta de Código do Trabalho (PL 1463/11), cujas normas valorizam a prevalência da negociação coletiva sobre o que está disposto na legislação do trabalho. A intenção do PL 1.463/11, conforme se extrai da justificativa do deputado Silvio Costa, épropor uma revolução na legislação trabalhista e reduzir a complexidade e o anocronismo desta legislação”, eliminando, por conta disto, alguns direitos sociais dos trabalhadores. O deputado cearense afirma, textualmente, que o PL foi elaborado para: “permitir que empregados e empregadores possam negociar condições de trabalho diferentes da lei, com todas as garantias previstas na Constituição Federal. Flexibilizar, garantindo-se direitos mínimos, vem ao encontro da tendência mundial do afastamento do intervencionismo e protecionismo exacerbado do Estado, dando força à composição entre as partes como forma reguladora das relações laborais.”.
Os projetos, portanto, são farinhas do mesmo saco.
Isto porque, propostas de mudanças radicais na legislação do trabalho desde o governo Fernando Henrique Cardoso, na sua grande maioria, sempre procuraram, reiteradamente, reduzir direitos sociais dos trabalhadores, limitando, ao máximo, a intervenção do Estado sobre as relações jurídicas capital/trabalho. Nos países da América do Sul, por exemplo, projetos de reforma trabalhista versavam, dentre outros itens, sobre a implantação de um sistema de menor vigência dos efeitos dos contratos coletivos de trabalho, provocando a diminuição e a eliminação de benefícios salariais e sociais contidos nos ajustes coletivos pré- existentes. No Brasil a Medida Provisória que revogou a Lei 8.542/79 foi perversa, pois deixou de garantir a preservação das condições coletivas de trabalho anteriormente negociadas até que nova convenção ou acordo coletivo as alterassem.
O primeiro projeto concreto defendendo a flexibilização da CLT (Projeto de Lei 5.483/2001), sob a tese da “prevalência do negociado sobre o legislado” foi retirado do Congresso, em abril de 2003, diante da forte reação do movimento de trabalhadores. De igual forma, a proposta de Emenda Constitucional n° 623, introduzindo uma pluralidade sindical que ultrapassava os próprios limites da Convenção 87 da OIT foi arquivada, em razão dos protestos do movimento sindical organizado.
Desde que foi apresentada a proposta de uma “nova CLT”, em 2007, nos pareceu que, sob o manto da consolidação de leis, o PL tinha por objetivo concluir o processo de reforma trabalhista que restou descartado pelo próprio governo federal por não ter alcançado consenso nacional entre os participantes do Fórum Nacional Trabalhista. O FNT, criado por indicação de Comissão Especial do Congresso, no governo Lula da Silva, e composto por representantes de empregados, empregadores e governo, assumia a idéia de promover a democratização das relações de trabalho por meio da adoção de um novo modelo de organização sindical e da atualização da legislação do trabalho. O FNT, com perfil mais abrangente que a Comissão liderada pelo Deputado Vaccarezza, desde o início de seus trabalhos, arrebatou duras críticas, e diante do artificialismo das propostas, em 2004, o trabalho produzido pela FNT e apresentado pelo governo ao Congresso acabou sendo rejeitado.
Projetos de flexibilização e normas legais sobre trabalho temporário; trabalho parcial; trabalho voluntário; foram sendo inseridos no nosso ordenamento jurídico, sempre ligados a idéia de que, com isto, estaríamos promovendo a criação de novos postos de trabalho. A nossa história recente, contudo, indica que os projetos de reforma na legislação do trabalho, apresentados sob a legenda de progresso social e modernização nas relações de trabalho, não geraram novos empregos. Continuarão a ser repelidos, como foram no passado recente, pois significam desconstituir direitos fundamentais conquistados pela classe trabalhadora em prol do aprimoramento e melhorias de suas condições de vida e trabalho.
A questão que se coloca para nós, a partir investidas legislativas atuais, seja através do véu da necessidade de se consolidar leis trabalhistas esparsas, seja por conta de se criar um código do trabalho, é se vamos acreditar que tais projetos, principalmente, num momento de turbulência econômica mundial, significam avanço social, ou se iremos impor, como seria de esperar de um Estado que evolui para uma democracia participativa e inclusiva, que ele assuma, efetivamente, uma visão moderna do Direito, agindo como agente regulador das relações sociais, mantendo-se firme na defesa dos princípios de valorização dos direitos humanos, na dignificação do trabalho e da consagração do bem estar social, denunciando e impedindo, consequentemente, retrocessos.


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