A 23ª Vara Federal do Rio de Janeiro concedeu liminar no processo proposto pelo Sindicato dos Enfermeiros do Estado do Rio de Janeiro para determinar que a União mantenha/restabeleça os descontos e consignações em folha das mensalidades e contribuições sindicais.
O processo foi proposto em razão da edição pelo Governo Federal da Medida Provisória 873 de 2019, que altera a CLT e a Lei 8112/90, e, dentre outras medidas, determina que a contribuição e a mensalidade sindical sejam recolhidas somente por via de boleto bancário.
Ao acolher o pedido em medida liminar formulado pelo SindEnfRJ o juiz Raphael Nazareth Barbosa fundamenta que a Medida Provisória não está amparada nos requisitos da urgência e relevância, bem como afronta direito previsto no art. 8º da Constituição.
Veja trechos da decisão:
“A partir da edição da Medida Provisória, o pagamento das contribuições passou a ser feito exclusivamente por meio de boleto bancário ou equivalente eletrônico.
Além dessas alterações, a MP nº 873/2019 revogou dispositivo da Lei nº 8.112/90 que permitia o desconto em folha das mensalidades e contribuições da remuneração dos servidores públicos federais, sem ônus para os sindicatos:
Art. 240. Ao servidor público civil é assegurado, nos termos da Constituição Federal, o direito à livre associação sindical e os seguintes direitos, entre outros, dela decorrentes:
c) de descontar em folha, sem ônus para a entidade sindical a que for filiado, o valor das mensalidades e contribuições definidas em assembléia geral da categoria.
Dito isso, passo ao exame sumário e incidental da constitucionalidade da Medida Provisória.
O STF assentou o entendimento segundo o qual “a verificação pelo Poder Judiciário da presença dos requisitos de relevância e urgência para a adoção de medida provisória apenas pode ser realizada em hipóteses excepcionais, nas quais seja constatado evidente abuso do Poder Executivo” (RE 994739 AgR/RS, Segunda Turma, Relator Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 29/06/2018).
No caso dos autos, a matéria é relevante, ante a sua repercussão socioeconômica. Relativamente à urgência, a União procura justificá-la afirmando que foram depositados 1.954 instrumentos coletivos contendo cláusulas relativas ao pagamento da contribuição sindical, inclusive para trabalhadores não filiados (evento 11, petição 2).
Tendo em vista que o pagamento da contribuição é feito em abril, a ré argumenta que não haveria tempo hábil para a tramitação de projeto de lei, em regime de urgência, destinado a vedar esses descontos, que afrontariam a facultativade introduzida pela Lei nº 13.467/2017.
Ora, a MP nº 873/2019 promoveu alterações para todas as mensalidades e contribuições devidas aos sindicatos pelos empregados/servidores, razão pela qual o argumento não se aplica para as outras contribuições diversas da contribuição sindical legal, que nem sequer compõe o objeto do processo.
Ademais, a exposição de motivos da Medida Provisória, no tocante aos pressupostos constitucionais para a sua edição, assim dispõe:
20. A urgência e relevância decorrem da necessidade do dever estatal de não ingerência sobre as organizações sindicais e representativas, uma vez que o custeio das entidades deve ser realizado por meio de recursos privados, tendo em vista a inegável natureza privada dessas entidades, sem qualquer interferência, participação ou uso da Administração Pública, bem como evitar o ônus que atualmente recai sobre o estado para o processamento do desconto e repasse às entidades sindicais de tais valores, e ainda garantir que a autorização prévia do servidor ou empregado, no que diz respeito à contribuição social, independentemente da nomenclatura que as entidades utilizam, a exemplo de imposto sindical, mensalidade sindical, contribuição associativa, mensalidade associativa, etc, deve ser, obrigatoriamente, individual, expressa e por escrito, sendo nula a regra ou a cláusula normativa que fixar a compulsoriedade de recolhimento a empregados ou empregadores, ainda que referendada por negociação coletiva, assembleia geral ou qualquer outro meio.
A sistemática de desconto em folha, no caso dos servidores públicos, das mensalidades e das contribuições definidas em assembleia geral da categoria está em vigor de longa data (Lei nº 8.112/90, art. 240, alínea “c”), não havendo fundamento plausível invocado na exposição de motivos da MP nº 873/2019 para a mudança abrupta promovida por ela.
A alegação de ônus para a Administração Pública no gerenciamento das consignações é feita de maneira genérica, sem contextualizar o impacto financeiro nas contas públicas e tampouco a necessidade premente da alteração.
Assim, em exame preliminar, há plausibilidade na tese de que houve abuso do Poder Executivo no trato direto da matéria, sem ao menos prever regime de transição razoável para a efetivação das múltiplas modificações impostas.
Além disso, verifica-se que a própria Constituição, no art. 8º assegura o desconto em folha da contribuição fixada em assembleia: “IV – a assembléia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será descontada em folha, para custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva, independentemente da contribuição prevista em lei”.
Reitero que essa contribuição incide apenas em relação àqueles filiados ao sindicato (Súmula vinculante nº 40 do STF), sendo exigido apenas o requisito constitucional de fixação em assembleia, sem referência à autorização individual para a sua instituição e cobrança.
No que diz respeito às demais contribuições, com exceção da contribuição sindical legal, o Tribunal Superior do Trabalho estatuiu o Precedente Normativo nº 119, cujo teor transcrevo:
PN 119 – CONTRIBUIÇÕES SINDICAIS. INOBSERVÂNCIA DE PRECEITOS CONSTITUCIONAIS.
A Constituição da República, em seus arts. 5º, XX e 8º, V, assegura o direito de livre associação e sindicalização. É ofensiva a essa modalidade de liberdade cláusula constante de acordo, convenção coletiva ou sentença normativa estabelecendo contribuição em favor de entidade sindical a título de taxa para custeio do sistema confederativo, assistencial, revigoramento ou fortalecimento sindical e outras da mesma espécie, obrigando trabalhadores não sindicalizados. Sendo nulas as estipulações que inobservem tal restrição, tornam-se passíveis de devolução os valores irregularmente descontados.
De acordo com o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho, a proibição de instituição de outras contribuições em favor do sindicato por acordo, convenção coletiva ou sentença normativa se dá apenas em relação aos trabalhadores não sindicalizados. Logo, em sentido contrário, esses instrumentos jurídicos, a princípio, são válidos para estabelecer contribuições quanto aos trabalhadores sindicalizados, sendo clara a finalidade constitucional de que, à exceção da contribuição sindical legal, as demais sejam descontadas em folha (IV do art. 8º da CF/88).
Portanto, em juízo sumário, constata-se que a Medida Provisória versada nos autos, ao exigir a manifestação individual dos sindicalizados para o descontos de todas mensalidades e contribuições devidas ao sindicato, bem como ao limitar o pagamento a boleto bancário ou equivalente eletrônico, contrariou a Constituição.
Não bastasse tudo isso, não passa despercebido que essa mudança repentina promovida pela MP nº 873/2019 pode ensejar queda considerável na receita dos sindicatos. Com efeito, as entidades nem sequer tiveram tempo suficiente para se organizar, a fim de promover a cobrança de suas contribuições/mensalidades na modalidade específica instituída pelo novo texto normativo .
Há ponderável risco de o fato ensejar enfraquecimento dessas instituições essenciais à defesa da categoria profissional ou econômica que representam, sobretudo em momento no qual se buscam reformas estruturais do Estado, com grandes impactos sobre os trabalhadores, motivo pelo qual deveria ter sido observado o art. 8º da Lei Complementar nº 95/98: “A vigência da lei será indicada de forma expressa e de modo a contemplar prazo razoável para que dela se tenha amplo conhecimento, reservada a cláusula “entra em vigor na data de sua publicação” para as leis de pequena repercussão”.
Poranto, o quadro evidencia, sob exame preliminar, a inadequação da abrupta mudança da matéria nos moldes definidos pela MP nº 873/2019.
Isso posto, DEFIRO A TUTELA DE URGÊNCIA, para determinar que a ré mantenha/restabeleça os descontos e consignações em folha das mensalidades e contribuições sindicais mensais devidas ao sindicato autor pelos seus filiados, na forma do contrato de adesão acostado aos autos (evento 1, contrato 6).
Cite-se e intime-se a UNIÃO para apresentação de defesa e cumprimento da presente decisão, no prazo de 72 (setenta e duas) horas, sob pena de multa de 1.000,00 (mil reais) por dia de atraso.
Confira a decisão na íntegra clicando aqui.