No dia 11 de agosto precisamos falar de democracia e direitos humanos – Por Rita Cortez

No dia 11 de agosto precisamos falar de democracia e direitos humanos – Por Rita Cortez

Hoje, 11 de agosto, é Dia da Advocacia. E nossa sócia-fundadora, Ritz Cortez, reflete, em artigo publicado no Jornal O Estado de São Paulo (Estadão), sobre o importante papel da atuação desses profissionais na preservação da democracia, na denúncia de violações de direitos e na luta pela manutenção da justiça. 

Confira na íntegra o artigo publicado no Estadão no dia 11 de agosto de 2022. :

“Se a gente cresce com os golpes duros da vida, também podemos crescer com os toques suaves na alma.” (Cora Coralina)

O dia da fundação dos cursos jurídicos, 11 de agosto de 1827, foi eleito para homenagear a advocacia brasileira. Em razão da pandemia e seus desfechos, a comemoração ainda acontece, parodiando Caetano, num momento “fora da nova ordem mundial”.

No Brasil, a violação dos valores e princípios previstos na Constituição Federal e na legislação protetiva dos direitos e garantias fundamentais tem sido sistemática, a começar pela agressão ao direito à vida. A banalização da violência e a tentativa de institucionalização de políticas de ódio são vestígios da acelerada ampliação das desigualdades sociais. Somam-se, aqui, um milhão de mortos pela COVID 19, os orçamentos secretos, as intolerâncias generalizadas, ataques ao meio ambiente, desprezo à cultura, apenas algumas situações inaceitáveis ou repulsivas.

O trabalho, a vida de negros, indígenas, mulheres e pobres são tratados como mera mercadoria, gerando, no primeiro caso, uma população invisível aos olhos do Estado, sujeitos à insegurança alimentar apesar do direito constitucional de não passar fome. Os cortes no orçamento da educação atingem diretamente as universidades públicas e seus centros de pesquisa, apesar das denúncias de corrupção no MEC.

O esvaziamento das políticas públicas corrói paulatinamente os pilares do progresso social.

O panorama, sem exageros, é de convivência com os chamados “traidores da pátria”, nomenclatura utilizada pelo saudoso Ulysses Guimarães, diante da absurda repetição dos casos de descumprimento da Constituição Federal. Ulysses, temendo a possibilidade de uma infidelidade futura com ruptura do pacto então firmado, no discurso de encerramento dos trabalhos da assembleia constituinte, alertou que caso trilhássemos “o caminho maldito”, nós já conhecíamos o resultado: “rasgar a constituição, trancar as portas do parlamento, garrotear a liberdade, mandar os patriotas para a cadeia, para o exílio e cemitério”.

As bravatas, ameaças, e instabilidades motivadas em constantes confrontos com as instituições, colocando em risco a democracia duramente guerreada e conquistada, nos compeliram a lançar uma nova carta aberta em defesa do estado democrático de direito, referenciada no fato histórico ocorrido na USP, em 1977, na comemoração do aniversário dos cursos jurídicos. No pátio sob as arcadas, repleto de jovens estudantes, de gente do povo, de políticos, professores de direito, advogados e altas personalidades do mundo jurídico, o Professor Goffredo da Silva Telles Júnior lançou a carta aberta aos brasileiros e brasileiras contra a ditadura, entoando um hino de louvor à democracia, proclamando princípios e exprimindo o pensamento de toda a comunidade acadêmica do largo de São Francisco em defesa dos direitos humanos, da democracia e do estado de direito.

A carta de 2022, declarando direitos que fundamentam a ordem constitucional, reafirma “por meio de palavras e ações, a adesão incondicional aos princípios republicanos e democráticos que embasam a Constituição de 1988”. O compromisso das instituições jurídicas neste mês, deve ser de endosso à carta, contando ou lembrando o histórico de graves violações aos direitos civis, sociais e políticos ocorridos durante a ditadura. Informação e esclarecimento, segundo Kant, permitem evitar que “os inescrupulosos” de plantão possam se valer da ignorância e do direito de liberdade, para desrespeitar as regras do jogo democrático.

As instituições jurídicas e as entidades de representação da advocacia têm a mastodôntica missão de assegurar que os passos daqueles de outrora sejam honrados, mostrando que a luta pelo restabelecimento do Estado Democrático não foi em vão. É nosso dever assegurar que a advocacia foi, e continuará sendo, a resistência a toda tentativa de despotismos.

Boucher D´Argis afirma que o ofício de advogado é mais antigo que o título. Ao longo da antiga história, o nosso traço comum, em qualquer sociedade, é a liberdade e não há liberdade, muito menos democracia, onde o advogado seja tolhido de se manifestar e agir livremente.

Somos atualmente mais de um milhão de advogados no mercado de trabalho, segundo dados do CFOAB. O alto índice de recém-formados a cada ano revela um cenário acirrado de competição que impõe aos profissionais a busca constante e frenética por uma formação acadêmica mais plural e rica para lidar com as novas demandas do mercado jurídico. A advocacia está empobrecida e os problemas são imensos, principalmente para os chamados advogados e advogadas “de balcão” e para os que atuam fora dos grandes centros urbanos.

São tempos difíceis. Contudo, o humanismo e a liberdade não podem ser abandonados no exercício da advocacia. O momento político é o da defesa dos direitos humanos, é colocar o ser humano na centralidade das nossas preocupações e decisões.

As instituições jurídicas, notadamente a OAB, têm a obrigação de combater a “banalidade do mal”, de modo a preservar a democracia, e para isto é preciso agir e atuar de forma mais humanizada, enxergando o peso dos direitos humanos no direito e na Justiça, buscando efetivamente o bem-estar e a felicidade das pessoas.

Não somos os “Analfabetos Políticos” de Bertold Brecht. Sabemos que o estrangulamento do mercado de trabalho está diretamente relacionado com o custo de vida e a carestia. Sabemos que “o preço do feijão, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas”, da nossa atenção e intervenção nos acontecimentos do país.

Neste 11 de agosto nunca foi tão importante despertar a sociedade para a luta em prol da dignificação da advocacia, como a afirmação dos valores mais preciosos ao Estado Democrático e de Direito que deve andar, por sua vez, de braços dados com a paz e a felicidade.

À advocacia minha homenagem, cantando Gonzaguinha: “a gente quer viver pleno direito, a gente quer viver todo respeito, a gente quer viver uma nação. A gente quer suar, mas de prazer, a gente quer é ter muita saúde, a gente quer viver a liberdade, a gente quer viver felicidade.”

Viva a advocacia brasileira!

*Rita Cortez é advogada trabalhista e ex-presidente do IAB e da ACAT

https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/no-dia-11-de-agosto-precisamos-falar-de-democracia-e-direitos-humanos/


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